segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Metropolis (1927)


ALEMANHA
METRÓPOLIS
1927
DIREÇÃO FRITZ LANG
ALFRED ABEL
GUSTAV FRÖHLICH
BRIGITTE HELM
SINOPSE:

Metrópolis, ano 2026. No futuro, a sociedade está dividida em dois grupos: os trabalhadores, que vivem debaixo de terra e trabalham em regime de escravidão e a classe dominante que vive na superfície. Esta poderosa cidade é governada por Joh Fredersen (Alfred Abel), um insensível capitalista cujo único filho, Freder (Gustav Fröhlich), leva uma vida idílica, desfrutando dos maravilhosos jardins na superfície. Porém, um dia, Freder conhece a jovem Maria (Brigitte Helm)...

A obra demonstra uma preocupação crítica com a mecanização da vida industrial nos grandes centros urbanos, questionando a importância do sentimento humano, perdido no processo. Como pano de fundo, a valorização da cultura, expressa no filme através da tecnologia e, principalmente, da arquitetura.

Mais uma obra do expressionismo alemão, desta vez narrando o conflito proprietários vs. trabalhadores. Os símbolos mais óbvios de Metrópolis são sem dúvida os religiosos, destacando-se aqueles que envolvem Freder e Maria. Há um paralelo entre a história bíblica de Adão e Eva, a tentação do homem.

Ninguém poderá negar que Metrópolis é uma obra prima visual. Tendo em consideração o período em que foi filmado, seus efeitos especiais são estrondosos. Os efeitos foram criados à mão, quer através de edição, quer através da câmera. Para criar certos efeitos eram colocados espelhos estrategicamente posicionados, de modo a expor a imagem a ser projetada, a parte prateada do espelho tinha de ser raspada em locais estrategicamente apropriados. Um único erro poderia arruinar o espelho assim como toda a imagem. Este processo teve de ser empregue, quando essa era a intenção, em cada plano composto.

O filme foi restaurado em 2001.

SOBRE:

Expressionismo em Metrópolis

Metropolis (1927), superprodução da UFA (Universum Film Aktiengesellschaft) dirigida por Fritz Lang, apropria-se de determinados artifícios típicos da estilização expressionista, num período em que o movimento já havia entrado em franco declínio. Contudo, o expressionismo em Metropolis serve a propósitos diversos dos que poderíamos observar nos filmes de uma suposta escola expressionista. Fritz Lang irá valer-se da estética expressionista de maneira bastante crítica e consciente, a exemplo do que já havia feito em filmes anteriores, como Dr. Mabuse – O Jogador, de 1922.

No filme de Lang, a apropriação da estética expressionista em alguns níveis serve a um propósito bem diferente do que constatamos em Caligari. Ao contrário do que ocorre em Caligari, filme em que cada fotograma remete ao estilo pictural expressionista, em Metropolis serão o Futurismo e a Nova Objetividade atmosferas picturais dominantes. Caligari é freqüentemente designado filme genuinamente expressionista em virtude de praticamente tudo o que ele apresenta dizer respeito a esse movimento artístico: a cenografia, a narrativa, a representação e caracterização dos atores. No filme de Wiene, o Expressionismo manifesta-se de maneira mais acabada, não de forma pontual, mas integralmente, ainda que com algumas ressalvas - como a do mobiliário naturalista em contraste com a cenografia pintada, conforme observa Lotte Eisner. É importante percebermos que, em Caligari, todos os cenários se apresentam estilizados à maneira expressionista, com linhas oblíquas, sinuosas, contrastes de massas, referências à espiral, distorções de forma e dimensão. Trata-se de um filme de estúdio que não apresenta locações naturalistas, e cada espaço cênico não deixa de constituir a emanação de uma consciência ou um transbordamento de subjetividade. Já Metropolis, embora também seja um filme de estúdio, apresenta uma narrativa realista, de modo algum evocando a idéia de emanações de uma consciência, salvo em algumas passagens bastante específicas (visões ou delírios do personagem Freder). Nesse ponto, resta-nos avaliar a extensão da influência expressionista no filme face à de outras fontes, muitas delas antagônicas. É necessário lembrar que os espaços cênicos predominantes, ou seja, da paisagem da cidade, do maquinário ou dos subterrâneos operários, evocam a estética da Nova Objetividade, um movimento de resposta ao Expressionismo alemão, marcado por um realismo nítido. Essa constatação é muito relevante tendo-se em mente a relativa autonomia de Lang quanto a modismos e o próprio embate "arcaísmo x tecnologia" proposto no filme.

Para descrever as massas dos habitantes da cidade subterrânea em Metropolis, Lang utilizou com felicidade a estilização expressionista: seres privados de personalidade, com ombros arqueados, acostumados a baixar a cabeça, submissos antes de lutar, escravos vestidos com roupas sem época. Notemos a estilização extrema durante a troca de turnos e o encontro de duas colunas que andam num passo ritmicamente marcado. Ou ainda o bloco de operários amontoados nos elevadores, sempre de cabeça baixa, sem existência pessoal. (...) E eis que as massas se desdobram num escalonamento que segue as regras dos coros expressionstas: evoluem em várias divisões, retangulares ou romboidais, cuja absoluta nitidez de contorno nunca será perturbada por um movimento individual.

Essa total perda de identidade caracteriza-se como uma recorrência expressionista no filme de Lang, além de relacionar-se estreitamente com a apropriação do homem por parte dos artefatos técnicos ou edificações que constituem o cenário. Em Metropolis, o homem é reduzido a um componente mecânico, na medida em que os operários se integram de maneira orgânica ao cenário. Eisner também fará menções a esse aspecto ao apontar que

Os habitantes da cidade subterrânea são autômatos, muito mais que o robô criado pelo inventor Rothwang. Suas pessoas se coadunam inteiramente com o ritmo das máquinas complicadas (...) As leis da "formação do espaço" aplicam-se também ao corpo, esclarece Kurtz, pois é antes de tudo o corpo humano que confere sua plástica à estrutura cênica. (...) Em A Morte de Sigfried, o corpo humano era muitas vezes um elemento do cenário; em Metropolis, torna-se fator básico da arquitetura em si, fixado junto com outros corpos num triângulo, numa elipse, num semicírculo. Porém esta estilização geométrica, último vestígio do expressionismo, nunca conduz o diretor a uma obra rotineira (...).

A crítica alemã também atenta para a influência do Teatro de Max Reinhardt e de Erwin Piscator, bem como do filme Homunculus (1916), de Otto Ripert - para quem Lang já havia trabalhado, escrevendo roteiros -, no que diz respeito à geometria das massas e direção de multidões praticada em Metropolis:

Além do espírito de observação, Lang tem o dom de assimilar o que viu de modo muito pessoal: Max Reinhardt dirigindo suas tropas de figurantes na ampla arena do Grosses Schauspielhaus, as manifestações do teatro expressionista e do teatro de Piscator - a aglomeração dos corpos, a Ballung dos Sprechchöre (coros falados) e os desdobramentos das massas nos inúmeros andaimes da cena.

Em outra instância, no âmbito da representação dos atores, constatamos em Brigitte Helm e Gustav Frölich um estilo de representação hiperbólico, que tende para o expressionista, embora nem de longe se iguale à performance assumida por Werner Kraus e Conrad Veidt em Caligari. Outro aspecto que poderíamos associar ao Expressionismo é a morada do cientista Rothwang. A casa medieval de linhas sinuosas, que evoca uma aura de magia e ocultismo, incrustada na arquitetura de vanguarda da cidade, remete tanto ao expressionismo quanto à noção de arcaísmo. A propósito, Thomas Elsaesser compara a moradia do personagem Rothwang a uma casa verdadeira, projetada pelo arquiteto expressionista Otto Bartning, entre 1923 e 1925, por sua vez inspirada numa ilustração de Julius Dietz, de 1905. Embora o exterior da casa de Rothwang apresente uma obliqüidade similar à do estilo expressionista, seu interior não transmite essa impressão marcadamente.

Luiz Nazário afirma, em seu ensaio intitulado "O Caso Fritz Lang", que, em Metropolis

o expressionismo (presença totalitária do emissário do poder oculto; exasperação gótica do décor, contraste brutal das forças em presença - a luz contra as trevas, o Bem contra o Mal; clima de opressão e desespero; histeria interpretativa de Brigitte Helm) é usado como revestimento da realidade alemã dos anos 20.

O autor aponta o personagem Rothwang como uma metáfora referente ao judaísmo, decorada por uma estilização expressionista, na leitura de um provável imaginário protonazista presente no filme de Lang.

Convém lembrar que Lang apresentava uma postura bastante crítica em relação ao Expressionismo. Também é sabido que fora cotado para a direção de O Gabinete do Dr. Caligari e, caso não tivesse desistido do trabalho em função da série As Aranhas (Die Spinnen), cedendo lugar a Robert Wiene, talvez tivéssemos uma filmagem do roteiro de Carl Meyer e Hans Janowitz radicalmente diferente da que conhecemos hoje. Isso porque Lang pretendia submeter o roteiro original a alterações substanciais, que previam a inserção de todo o plano da história narrada dentro de outro mais abrangente, realista-naturalista, o qual delimitaria o plano da alucinação separando-o definitivamente do da realidade. Tais alterações iam ao encontro do que os produtores esperavam, dada a complexidade e as implicações de ordem política presentes no roteiro original, uma vez que reduziria toda a crítica proposta pelo filme ao delírio de um único personagem. Mesmo Wiene precisou trabalhar dentro de certos parâmetros, por motivos políticos, mas ainda assim conseguiu manter muito da proposta original do roteiro. Isso, porque a estilização expressionista transborda para além dos limites da história narrada pelo jovem interno, abarcando o plano que, virtualmente, corresponderia à realidade presente. Resultando numa obra ambígua, Caligari não rompeu completamente com as exigências dos produtores, ao mesmo tempo em que manteve, com notável sensibilidade artística, boa parte das implicações de ordem política e ideológica presentes no roteiro de Meyer e Janowitz.

Em que pesem tais considerações, percebemos que, embora haja uma relevante influência do Expressionismo alemão em Metropolis, não seria recomendável encarcerar esse filme na escola expressionista. Primeiramente, porque se trata de uma narrativa essencialmente realista, embora de ficção científica. Não constatamos, de modo algum, a predominância de uma das mais fortes características do expressionismo, a emanação de consciência, a qual resume um dos pilares do movimento: a prevalência do subjetivo sobre o real, a remodelação ou mesmo re-criação do mundo pelo artista, uma vez que "o expressionista já não vê, tem 'visões'". Em segundo lugar, porque suas referências pictóricas mais explícitas dizem respeito ao Futurismo e à Nova Objetividade - talvez ainda mais a este último. Sendo assim, o Expressionismo em Metropolis manifesta-se especialmente no âmbito das multidões de trabalhadores, na representação de determinados atores e na representação da morada de Rothwang, provável reduto expressionista.

Em resumo, poderíamos reconhecer o Expressionismo em Metropolis como um "conteúdo subterrâneo", uma potência fortemente contida pelo revestimento da Neue Sachlichkeit, prestes a emanar a qualquer momento, por qualquer fissura da realidade objetiva da cidade futurista.

Não obstante, há outro aspecto importante capaz de associar Metropolis ao Expressionismo: o fato de o filme de Fritz Lang remeter notoriamente à trilogia Gas, de Georg Kaiser. Furness associa explicitamente o filme de Lang à trilogia de Kaiser, ao comentar que a "famosa Metropolis de Fritz Lang (1927) tem uma dívida óbvia para com a trilogia do Gas, particularmente na descrição da disputa entre pai e filho, e a temível cena de 'Moloch'".

Entre 1917 e 1923, ápice do Expressionismo na Alemanha, 24 peças de autoria de Kaiser foram encenadas no país, dentre as quais Os Burgueses de Calais (Die Bürger von Calais), de 1913, e Da Aurora à Meia-noite (Von Morgens bis Mitternachts), de 1912 - esta última, a mais famosa peça de Kaiser, foi posteriormente adaptada para o cinema por Karl Heinz Martin, em 1920.

As obras de Kaiser apresentam progressão dialética, além da abordagem dos conflitos de conceitos através de uma linguagem clara, incisiva e surpreendentemente condensada. Conforme aponta Furness, em "Kaiser, a idéia de reforma social tem importância secundária: uma auto-superação nietzschiana, uma regeneração espiritual deve vir primeiro, antes que se possa mudar a sociedade".

A trilogia Gas é a que mais nos interessa agora, dada sua similitude com o filme de Fritz Lang, especialmente no que se refere à temática do embate de classes e à oposição entre pai e filho. O Coral (Die Korale) é a peça que inaugura a trilogia, em 1917. Nela, Kaiser faz duras críticas à desumanidade capitalista. A obra concentra-se no personagem do Milionário, cujos filhos tornar-se-ão seus opositores, em franco desacordo com a mentalidade burguesa e os mecanismos de exploração. O personagem do filho do Milionário identifica-se com os oprimidos, de maneira muito semelhante ao que ocorre com o Freder de Metropolis.

Em Gas I, segunda peça da trilogia, o Filho do Milionário (Milliardärsohn) será o protagonista, e seu pai, trocando de identidade com seu secretário assassinado, tentará dar curso a uma nova vida (a troca de identidade é um aspecto recorrente em Kaiser, segundo Furness). Gas I, título que simboliza a força motriz das máquinas modernas e o símbolo de uma era industrial, tornou Kaiser bastante conhecido na Europa, e sua temática diz respeito essencialmente à idéia de regeneração da sociedade. No embate entre o Filho do Milionário e o Engenheiro, vemos o enfrentamento de dois discursos políticos opostos, tendo em vista a sedução da massa operária. Contudo, embora deixe em aberto uma vaga esperança, no desfecho da peça será mantido o domínio do sistema vigente.

Em Gas II, encerramento da trilogia, vemos o final apocalíptico definitivo, em que o neto do Milionário, agora Operário-Milionário (Milliardär-Arbeiter) enfrenta o ex-Engenheiro, agora Engenheiro-Chefe (Grossingenieur). Nessa última parte da trilogia, Kaiser faz uma crítica direta à catástrofe da guerra, revelando como o "homem devota suas energias em última análise ao suicídio: tem em mãos o auto-aniquilamento da civilização". Nessa peça, o Engenheiro-Chefe é uma analogia do autômato, com movimentos cadenciados que fazem menção ao funcionamento da maquinaria moderna. Os próprios operários são apresentados como parte integrante dessa maquinaria - algo bem próximo do que observamos em Metropolis. No fim desta peça, o derradeiro Gás Tóxico (Giftgas), que consome a carne viva, será liberado, num gesto desesperado e de completa desilusão do Operário-Milionário, desencadeando uma destruição apocalíptica que aterrorizará até mesmo as tropas inimigas. Atentemos para o que comenta Furness, e vejamos alguns pontos coincidentes com os que podemos observar em Metropolis:

A obsessão de Kaiser por certos temas, a quase monomaníaca dedicação de muitas de suas personagens, a redução de homens a robôs, os cenários abstratos, as construções de aço e a iluminação aberrante refletem uma crueldade e uma desolação que de modo geral não são afastadas por um ideal que muitas vezes parece mais nietzschiano que cristão.

É importante ressaltar que, para a feitura do roteiro de Metropolis, Thea von Harbou pesquisou, além da trilogia Gas, as peças Maschinenstürmer, de Ernst Toller, Zwischen Himmel und Erde, de Ernst Ludwig, Das Grosse Welt-Theather, de Max Reinhardt e Hugo von Hoffmann, bem como os romances The Five Hundred Millions of the Begum, de Julio Verne, Os Condenados à Morte, de Claude Ferrère e When the Sleeper Wakens, de H.G. Wells.


ELENCO:


Alfred Abel (Johhah "Joh" Fredersen)
Gustav Fröhlich (Freder Fredersen)
Brigitte Helm (Maria / Robô)
Rudolf Klein-Rogge (C.A. Rotwang)
Fritz Rasp (Slim)
Theodor Loos (Josaphat)
Heinrich George (Grot)
Erwin Biswanger (Georg)

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